quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

A Metamorfose do Comunismo.





O processo revolucionário é o desenvolvimento, por etapas, de certas tendências desregradas do homem ocidental e cristão, e dos erros delas nascidos. Em cada etapa, essas tendências e erros têm um aspecto próprio. A Revolução vai, pois, se metamorfoseando ao longo da História.

Essas metamorfoses que se observam nas grandes linhas gerais da Revolução, se repetem, em ponto menor, no interior de cada grande episódio dela.

Assim, o espírito da Revolução Francesa, em sua primeira fase, usou máscara e linguagem aristocrática e até eclesiástica. Freqüentou a corte e sentou-se à mesa do Conselho do Rei. Depois, tornou-se burguês e trabalhou pela extinção incruenta da monarquia e da nobreza, e por uma velada e pacífica supressão da Igreja Católica. Logo que pôde, fez-se jacobino, e se embriagou de sangue no Terror.

Mas os excessos praticados pela facção jacobina despertaram reações. Ele voltou atrás, percorrendo as mesmas etapas. De jacobino transformou-se em burguês no Diretório, com Napoleão estendeu a mão à Igreja e abriu as portas à nobreza exilada, e, por fim, aplaudiu a volta dos Bourbons. Terminada a Revolução Francesa, não termina com isto o processo revolucionário. Ei-lo que torna a explodir com a queda de Carlos X e a ascensão de Luís Felipe, e assim por sucessivas metamorfoses, aproveitando seus sucessos e mesmo seus insucessos, chegou ele até o paroxismo de nossos dias.

A Revolução usa, pois, suas metamorfoses não só para avançar, como também para operar os recuos táticos que tão freqüentemente lhe têm sido necessários. Por vezes, movimento sempre vivo, ela tem simulado estar morta. E é esta uma de suas metamorfoses mais interessantes. Na aparência, a situação de um determinado país se apresenta como inteiramente tranqüila. A reação contra-revolucionária se distende e adormece. Mas, nas profundidades da vida religiosa, cultural, social, ou econômica, a fermentação revolucionária vai sempre ganhando terreno. E, ao cabo desse aparente interstício, explode uma convulsão inesperada, freqüentemente maior que as anteriores.”

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“Perestroika” e “glasnost”: desmantelamento da III Revolução (Comunismo), ou metamorfose do comunismo?

No ocaso do ano de 1989, aos supremos dirigentes do comunismo internacional, pareceu afinal chegado o momento de lançar uma imensa cartada política, a maior da história do comunismo. Esta consistiria em derrubar a cortina de ferro e o Muro de Berlim, o que, produzindo seus efeitos de forma simultânea à execução dos programas “liberalizantes” da glasnost (1985) e da perestroika (1986), precipitaria o aparente desmantelamento da III Revolução no mundo soviético.

Por sua vez, tal desmantelamento atrairia para seu supremo promotor e executor, Mikhail Gorbachev, a simpatia enfática e a confiança sem reservas das potências econômicas estatais e de muitos dos poderes econômicos privados do Primeiro Mundo.

A partir disto, o Kremlin poderia esperar um fluxo assombroso de recursos financeiros a favor de suas vazias arcas. Essas esperanças foram muito amplamente confirmadas pelos fatos, proporcionando a Gorbachev e à sua equipe a possibilidade de continuar flutuando, com o timão na mão, sobre o mar de miséria, de indolência e de inação, em face do qual a infeliz população russa, sujeita até há pouco ao capitalismo de Estado integral, vai se havendo, até o momento, com uma passividade desconcertante. Passividade esta propícia à generalização do marasmo, do caos, e quiçá à formação de uma crise conflitual interna suscetível, por sua vez, de degenerar em uma guerra civil... ou mundial.

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Da perestroika, sim, da qual não é possível duvidar que seja um requinte do comunismo, pois o confessa seu próprio autor no ensaio propagandístico “Perestroika – Novas idéias para o meu país e o mundo” (Ed. Best Seller, São Paulo, 1987, p. 35): “A finalidade desta reforma é garantir .... a transição de um sistema de direção excessivamente centralizado e dependente de ordens superiores para um sistema democrático baseado na combinação de centralismo democrático e autogestão”. Autogestão esta que, de mais a mais, era “o objetivo supremo do Estado soviético”, segundo estabelecia a própria Constituição da ex-URSS em seu Preâmbulo.

O ódio e a violência, metamorfoseados, geram a guerra psicológica
revolucionária total.

Para melhor apreendermos o alcance dessas imensas transformações ocorridas no quadro da III Revolução, será necessário analisarmos em seu conjunto a grande esperança atual do comunismo, que é a guerra revolucionária psicológica.

Embora nascido necessariamente do ódio, e voltado por sua própria lógica interna para o uso da violência exercida por meio de guerras, revoluções e atentados, o comunismo internacional se viu compelido por grandes modificações em profundidade da opinião pública, a dissimular seu rancor, bem como a fingir ter desistido das guerras e das revoluções. Já o dissemos.

Ora, se tais desistências fossem sinceras, de tal maneira ele se desmentiria a si próprio, que se autodemoliria. Longe disto, usa ele o sorriso tão-somente como arma de agressão e de guerra, e não extingue a violência, mas a transfere do campo de operação do físico e palpável, para o das atuações psicológicas impalpáveis. Seu objetivo: alcançar, no interior das almas, por etapas e invisivelmente, a vitória que certas circunstâncias lhe estavam impedindo de conquistar de modo drástico e visível, segundo os métodos clássicos.

Bem entendido, não se trata aqui de efetuar, no campo do espírito, algumas operações esparsas e esporádicas. Trata-se, pelo contrário, de uma verdadeira guerra de conquista -
psicológica, sim, mas total - visando o homem todo, e todos os homens em todos os países.


Guerra psicológica revolucionária: “revolução cultural” e Revolução nas tendências.


Como uma modalidade de guerra psicológica revolucionária, a partir da rebelião estudantil da Sorbonne, em maio de 1968, numerosos autores socialistas e marxistas em geral passaram a reconhecer a necessidade de uma forma de revolução prévia às transformações políticas e sócioeconômicas, que operasse na vida cotidiana, nos costumes, nas mentalidades, nos modos de ser, de sentir e de viver. É a chamada “revolução cultural”.

Consideram eles que esta revolução, preponderantemente psicológica e tendencial, é uma etapa indispensável para se chegar à mudança de mentalidade que tornaria possível a implantação da utopia igualitária, pois, sem tal preparação, a transformação revolucionária e as consequentes “mudanças de estrutura” tornar-se-iam efêmeras.

(...)

Insistimos neste conceito de guerra revolucionária psicológica total.

Com efeito, a guerra psicológica visa a psique toda do homem, isto é, “trabalha-o” nas várias potências de sua alma, e em todas as fibras de sua mentalidade.

Ela visa todos os homens, isto é, tanto partidários ou simpatizantes da III Revolução, quanto neutros ou até adversários.

Ela lança mão de todos os meios, a cada passo é-lhe necessário dispor de um fator específico para levar insensivelmente cada grupo social e até cada homem a se aproximar do comunismo, por pouco que seja. E isto em qualquer terreno: nas convicções religiosas, políticas, sociais e econômicas, nas impostações culturais, nas preferências artísticas, nos modos de ser e de agir em família, na profissão, na sociedade.

A.   As duas grandes metas da guerra psicológica revolucionária

Dadas as atuais dificuldades do recrutamento ideológico da III Revolução, o mais útil de suas atividades se exerce, não sobre os amigos e simpatizantes, mas sobre os neutros e os adversários:

a) iludir e adormecer paulatinamente os neutros;

b) dividir a cada passo, desarticular, isolar, aterrorizar, difamar, perseguir e bloquear os
adversários;

- essas são, a nosso ver, as duas grandes metas da guerra psicológica revolucionária.


Desta maneira, a III Revolução torna-se capaz de vencer, porém mais pelo aniquilamento do adversário do que pela multiplicação dos amigos.

Obviamente, para conduzir esta guerra, mobiliza o comunismo todos os meios de ação com que conta, nos países ocidentais, graças ao apogeu em que nestes se acha a ofensiva da III Revolução.


B.   A guerra psicológica revolucionária total, uma resultante do apogeu da III Revolução e dos embaraços por que esta passa.

A guerra psicológica revolucionária total é, portanto, uma resultante da composição dos dois fatores contraditórios que já mencionamos: o auge de influência do comunismo sobre quase todos os pontos-chaves da grande máquina que é a sociedade ocidental, e de outro lado o declínio da capacidade de persuasão e de liderança dele sobre as camadas profundas da opinião pública do Ocidente.


A ofensiva psicológica da III Revolução, na Igreja.

Não seria possível descrever esta guerra psicológica sem tratar acuradamente do seu desenrolar naquilo que é a própria alma do Ocidente, ou seja, o cristianismo, e mais precisamente a Religião Católica, que é o cristianismo em sua plenitude absoluta e em sua autenticidade única.

O Concílio Vaticano II

Dentro da perspectiva de Revolução e Contra-Revolução, o êxito dos êxitos alcançado pelo comunismo pós-staliniano sorridente foi o silêncio enigmático, desconcertante, espantoso e apocalipticamente trágico do Concílio Vaticano II a respeito do comunismo.

(...)

É penoso dizê-lo. Mas a evidência dos fatos aponta, neste sentido, o Concílio Vaticano II como uma das maiores calamidades, se não a maior, da História da Igreja. A partir dele penetrou na Igreja, em proporções impensáveis, a “fumaça de Satanás”, que se vai dilatando dia a dia mais, com a terrível força de expansão dos gases. Para escândalo de incontáveis almas, o Corpo Místico de Cristo entrou no sinistro processo da como que autodemolição.

Daí resultou para a Igreja e para o que ainda resta de civilização cristã, uma imensa derrocada. A Ostpolitik vaticana, por exemplo, e a infiltração gigantesca do comunismo nos meios católicos, são efeitos de todas estas calamidades. E constituem outros tantos êxitos da ofensiva psicológica da III Revolução contra a Igreja.

(...)


E o comunismo? O que é feito dele? A forte impressão de que ele morrera apoderou-se da maior parte da opinião pública do Ocidente, deslumbrada ante a perspectiva de uma paz universal de duração indeterminada. Ou quiçá de uma duração perene, com o conseqüente desaparecimento do terrível fantasma da hecatombe nuclear mundial.

Esta “lua de mel” do Ocidente com seu suposto paraíso de desanuviamento e de paz, vem refulgindo gradualmente menos.

Com efeito, referimo-nos pouco atrás às agressões de toda ordem que relampagueiam nos territórios da finada URSS. Cabe-nos, pois, perguntar se o comunismo morreu. De início, as vozes que punham em dúvida a autenticidade da morte do comunismo foram raras, isoladas e escassas em fundamentação.

Aos poucos, de cá e de lá, sombras foram aparecendo no horizonte. Em nações da Europa Central e dos Bálcãs, como do próprio território da ex-URSS, foi-se notando que os novos detentores do Poder eram figuras de destaque do próprio Partido Comunista local. Exceto na Alemanha Oriental, a caminhada para a privatização na maioria das vezes se vem fazendo muito mais na aparência do que na realidade, isto é, a passos de cágado, lentos e sem rumo inteiramente definido.

Ou seja, pode-se dizer que nesses países o comunismo morreu? Ou que ele entrou simplesmente num complicado processo de metamorfose? Dúvidas a este respeito se vêm avolumando, enquanto os últimos ecos da alegria universal pela suposta queda do comunismo se vêm apagando discretamente.

Quanto aos partidos comunistas das nações do Ocidente, murcharam de modo óbvio, ao
estampido das primeiras derrocadas na URSS. Mas já hoje vários deles começam a se reorganizar com rótulos novos. Esta mudança de rótulo é uma ressurreição? Uma metamorfose? Inclino-me de preferência por esta última hipótese.

Esta atualização do quadro geral em função do qual o mundo vai tomando posição, pareceu me indispensável como tentativa de pôr um pouco de clareza e de ordem num horizonte em cujos quadrantes o que cresce principalmente é o caos. Qual é o rumo espontâneo do caos senão uma indecifrável acentuação de si próprio?


Excertos do Livro Revolução e Contra-Revolução do Prof. Plínio Correa de Oliveira.

Cópia da edição abaixo:
Revolução e Contra-Revolução
4ª edição em português

Artpress – São Paulo – 1998

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