O processo
revolucionário é o desenvolvimento, por etapas, de certas tendências
desregradas do homem ocidental e cristão, e dos erros delas nascidos. Em cada
etapa, essas tendências e erros têm um aspecto próprio. A Revolução vai, pois,
se metamorfoseando ao longo da História.
Essas
metamorfoses que se observam nas grandes linhas gerais da Revolução, se
repetem, em ponto menor, no interior de cada grande episódio dela.
Assim, o
espírito da Revolução Francesa, em sua primeira fase, usou máscara e linguagem
aristocrática e até eclesiástica. Freqüentou a corte e sentou-se à mesa do
Conselho do Rei. Depois, tornou-se burguês e trabalhou pela extinção incruenta
da monarquia e da nobreza, e por uma velada e pacífica supressão da Igreja
Católica. Logo que pôde, fez-se jacobino, e se embriagou de sangue no Terror.
Mas os excessos
praticados pela facção jacobina despertaram reações. Ele voltou atrás, percorrendo
as mesmas etapas. De jacobino transformou-se em burguês no Diretório, com
Napoleão estendeu a mão à Igreja e abriu as portas à nobreza exilada, e, por
fim, aplaudiu a volta dos Bourbons. Terminada a Revolução Francesa, não termina
com isto o processo revolucionário. Ei-lo que torna a explodir com a queda de
Carlos X e a ascensão de Luís Felipe, e assim por sucessivas metamorfoses,
aproveitando seus sucessos e mesmo seus insucessos, chegou ele até o paroxismo
de nossos dias.
A Revolução usa,
pois, suas metamorfoses não só para avançar, como também para operar os recuos
táticos que tão freqüentemente lhe têm sido necessários. Por vezes, movimento
sempre vivo, ela tem simulado estar morta. E é esta uma de suas metamorfoses
mais interessantes. Na aparência, a situação de um determinado país se
apresenta como inteiramente tranqüila. A reação contra-revolucionária se
distende e adormece. Mas, nas profundidades da vida religiosa, cultural,
social, ou econômica, a fermentação revolucionária vai sempre ganhando terreno.
E, ao cabo desse aparente interstício, explode uma convulsão inesperada,
freqüentemente maior que as anteriores.”
(...)
“Perestroika” e “glasnost”:
desmantelamento da III Revolução (Comunismo), ou metamorfose do comunismo?
No ocaso do ano
de 1989, aos supremos dirigentes do comunismo internacional, pareceu afinal
chegado o momento de lançar uma imensa cartada política, a maior da história do
comunismo. Esta consistiria em derrubar a cortina de ferro e o Muro de Berlim,
o que, produzindo seus efeitos de forma simultânea à execução dos programas
“liberalizantes” da glasnost (1985) e da perestroika (1986), precipitaria o aparente
desmantelamento da III Revolução no mundo
soviético.
Por sua vez, tal
desmantelamento atrairia para seu supremo promotor e executor, Mikhail
Gorbachev, a simpatia enfática e a confiança sem reservas das potências
econômicas estatais e de muitos dos poderes econômicos privados do Primeiro
Mundo.
A partir disto,
o Kremlin poderia esperar um fluxo assombroso de recursos financeiros a favor
de suas vazias arcas. Essas esperanças foram muito amplamente confirmadas pelos
fatos, proporcionando a Gorbachev e à sua equipe a possibilidade de continuar
flutuando, com o timão na mão, sobre o mar de miséria, de indolência e de
inação, em face do qual a infeliz população russa, sujeita até há pouco ao capitalismo
de Estado integral, vai se havendo, até o momento, com uma passividade
desconcertante. Passividade esta propícia à generalização do marasmo, do caos,
e quiçá à formação de uma crise conflitual interna suscetível, por sua vez, de
degenerar em uma guerra civil... ou mundial.
(...)
Da perestroika, sim, da qual não é possível duvidar
que seja um requinte do comunismo, pois o confessa seu próprio autor no ensaio
propagandístico “Perestroika – Novas idéias para o
meu país e o mundo”
(Ed. Best Seller, São Paulo, 1987, p. 35): “A
finalidade desta reforma é garantir .... a transição de um sistema de direção
excessivamente centralizado e dependente de ordens superiores para um sistema
democrático baseado na combinação de centralismo democrático e autogestão”. Autogestão
esta que, de mais a mais, era “o
objetivo supremo do Estado soviético”, segundo estabelecia a própria
Constituição da ex-URSS em seu Preâmbulo.
O ódio e a violência,
metamorfoseados, geram a guerra psicológica
revolucionária total.
Para melhor
apreendermos o alcance dessas imensas transformações ocorridas no quadro da III Revolução, será necessário analisarmos em seu
conjunto a grande esperança atual do comunismo, que é a guerra revolucionária
psicológica.
Embora nascido
necessariamente do ódio, e voltado por sua própria lógica interna para o uso da
violência exercida por meio de guerras, revoluções e atentados, o comunismo
internacional se viu compelido por grandes modificações em profundidade da
opinião pública, a dissimular seu rancor, bem como a fingir ter desistido das
guerras e das revoluções. Já o dissemos.
Ora, se tais
desistências fossem sinceras, de tal maneira ele se desmentiria a si próprio,
que se autodemoliria. Longe disto, usa ele o sorriso tão-somente como arma de
agressão e de guerra, e não extingue a violência, mas a transfere do campo de
operação do físico e palpável, para o das atuações psicológicas impalpáveis.
Seu objetivo: alcançar, no interior das almas, por etapas e invisivelmente, a
vitória que certas circunstâncias lhe estavam impedindo de conquistar de modo
drástico e visível, segundo os métodos clássicos.
Bem entendido,
não se trata aqui de efetuar, no campo do espírito, algumas operações esparsas
e esporádicas. Trata-se, pelo contrário, de uma verdadeira guerra de conquista
-
psicológica,
sim, mas total - visando o homem todo, e todos os homens em todos os países.
Guerra
psicológica revolucionária: “revolução cultural” e Revolução nas tendências.
Como uma
modalidade de guerra psicológica revolucionária, a partir da rebelião
estudantil da Sorbonne, em maio de 1968, numerosos autores socialistas e
marxistas em geral passaram a reconhecer a necessidade de uma forma de
revolução prévia às transformações políticas e sócioeconômicas, que operasse na
vida cotidiana, nos costumes, nas mentalidades, nos modos de ser, de sentir e
de viver. É a chamada “revolução cultural”.
Consideram eles
que esta revolução, preponderantemente psicológica e tendencial, é uma etapa
indispensável para se chegar à mudança de mentalidade que tornaria possível a
implantação da utopia igualitária, pois, sem tal preparação, a transformação
revolucionária e as consequentes “mudanças de estrutura” tornar-se-iam
efêmeras.
(...)
Insistimos neste
conceito de guerra revolucionária psicológica total.
Com efeito, a
guerra psicológica visa a psique toda do homem, isto é, “trabalha-o” nas várias
potências de sua alma, e em todas as fibras de sua mentalidade.
Ela visa todos
os homens, isto é, tanto partidários ou simpatizantes da III Revolução, quanto neutros ou até adversários.
Ela lança mão de
todos os meios, a cada passo é-lhe necessário dispor de um fator específico
para levar insensivelmente cada grupo social e até cada homem a se aproximar do
comunismo, por pouco que seja. E isto em qualquer terreno: nas convicções
religiosas, políticas, sociais e econômicas, nas impostações culturais, nas
preferências artísticas, nos modos de ser e de agir em família, na profissão,
na sociedade.
A. As duas grandes metas da guerra psicológica revolucionária
Dadas as atuais
dificuldades do recrutamento ideológico da III
Revolução,
o mais útil de suas atividades se exerce, não sobre os amigos e simpatizantes,
mas sobre os neutros e os adversários:
a) iludir e
adormecer paulatinamente os neutros;
b) dividir a
cada passo, desarticular, isolar, aterrorizar, difamar, perseguir e bloquear os
adversários;
- essas são, a
nosso ver, as duas grandes metas da guerra psicológica revolucionária.
Desta maneira, a
III Revolução torna-se capaz
de vencer, porém mais pelo aniquilamento do adversário do que pela
multiplicação dos amigos.
Obviamente, para
conduzir esta guerra, mobiliza o comunismo todos os meios de ação com que
conta, nos países ocidentais, graças ao apogeu em que nestes se acha a ofensiva
da III Revolução.
B. A guerra psicológica revolucionária total, uma resultante do
apogeu da III
Revolução e dos embaraços por que esta passa.
A guerra
psicológica revolucionária total é, portanto, uma resultante da composição dos
dois fatores contraditórios que já mencionamos: o auge de influência do
comunismo sobre quase todos os pontos-chaves da grande máquina que é a
sociedade ocidental, e de outro lado o declínio da capacidade de persuasão e de
liderança dele sobre as camadas profundas da opinião pública do Ocidente.
A ofensiva psicológica da III
Revolução, na Igreja.
Não seria
possível descrever esta guerra psicológica sem tratar acuradamente do seu
desenrolar naquilo que é a própria alma do Ocidente, ou seja, o cristianismo, e
mais precisamente a Religião Católica, que é o cristianismo em sua plenitude
absoluta e em sua autenticidade única.
O Concílio Vaticano II
Dentro da perspectiva
de Revolução e Contra-Revolução, o êxito dos
êxitos alcançado pelo comunismo pós-staliniano sorridente foi o silêncio
enigmático, desconcertante, espantoso e apocalipticamente trágico do Concílio
Vaticano II a respeito do comunismo.
(...)
É penoso
dizê-lo. Mas a evidência dos fatos aponta, neste sentido, o Concílio Vaticano II como uma das
maiores calamidades, se não a maior, da História da Igreja. A partir dele
penetrou na Igreja, em proporções impensáveis, a “fumaça de Satanás”, que se vai dilatando dia a dia
mais, com a terrível força de expansão dos gases. Para escândalo de incontáveis
almas, o Corpo Místico de Cristo entrou no sinistro processo da como que
autodemolição.
Daí resultou
para a Igreja e para o que ainda resta de civilização cristã, uma imensa
derrocada. A Ostpolitik vaticana, por
exemplo, e a infiltração gigantesca do comunismo nos meios católicos, são
efeitos de todas estas calamidades. E constituem outros tantos êxitos da
ofensiva psicológica da III
Revolução contra
a Igreja.
(...)
E o comunismo? O
que é feito dele? A forte impressão de que ele morrera apoderou-se da maior
parte da opinião pública do Ocidente, deslumbrada ante a perspectiva de uma paz
universal de duração indeterminada. Ou quiçá de uma duração perene, com o conseqüente
desaparecimento do terrível fantasma da hecatombe nuclear mundial.
Esta “lua de
mel” do Ocidente com seu suposto paraíso de desanuviamento e de paz, vem refulgindo
gradualmente menos.
Com efeito,
referimo-nos pouco atrás às agressões de toda ordem que relampagueiam nos territórios
da finada URSS. Cabe-nos, pois, perguntar se o comunismo morreu. De início, as
vozes que punham em dúvida a autenticidade da morte do comunismo foram raras,
isoladas e escassas em fundamentação.
Aos poucos, de
cá e de lá, sombras foram aparecendo no horizonte. Em nações da Europa Central
e dos Bálcãs, como do próprio território da ex-URSS, foi-se notando que os
novos detentores do Poder eram figuras de destaque do próprio Partido Comunista
local. Exceto na Alemanha Oriental, a caminhada para a privatização na maioria
das vezes se vem fazendo muito mais na aparência do que na realidade, isto é, a
passos de cágado, lentos e sem rumo inteiramente definido.
Ou seja, pode-se
dizer que nesses países o comunismo morreu? Ou que ele entrou simplesmente num
complicado processo de metamorfose? Dúvidas a este respeito se vêm avolumando,
enquanto os últimos ecos da alegria universal pela suposta queda do comunismo
se vêm apagando discretamente.
Quanto aos
partidos comunistas das nações do Ocidente, murcharam de modo óbvio, ao
estampido das
primeiras derrocadas na URSS. Mas já hoje vários deles começam a se reorganizar
com rótulos novos. Esta mudança de rótulo é uma ressurreição? Uma metamorfose?
Inclino-me de preferência por esta última hipótese.
Esta atualização
do quadro geral em função do qual o mundo vai tomando posição, pareceu me
indispensável como tentativa de pôr um pouco de clareza e de ordem num
horizonte em cujos quadrantes o que cresce principalmente é o caos. Qual é o
rumo espontâneo do caos senão uma indecifrável acentuação de si próprio?
Excertos do Livro
Revolução e Contra-Revolução do Prof. Plínio Correa de Oliveira.
Cópia da edição
abaixo:
Revolução e
Contra-Revolução
4ª edição em
português
Artpress – São
Paulo – 1998
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